Uma reflexão sobre continuar ou não estudando para o CACD
- Eu, Diplomata
- 6 de fev. de 2021
- 4 min de leitura

Hoje pela manhã eu acordei um tanto quanto reflexiva sobre o concurso. Não é a primeira vez que resolvo pensar sobre isso. A diferença é que agora tenho pensado nas motivações em continuar ou não estudando.
Resolvi buscar lá atrás, ainda na minha infância, os possíveis motivos que poderiam me fazer bater tanto nessa tecla. Eu cresci em uma família que apostou e aposta todos os dias todas as suas fichas em mim. Apesar de ter três irmãs, o discurso era que eu, por ser a mais nova, seria a que daria certo. Não que as minhas irmãs fossem um problema ou não tivessem conseguido nada da vida, muito pelo contrário. Mas acredito que eu, justamente por ser a mais nova, nascia com aquela esperança de "agora vai", poderia ser moldada dentro de um universo que não tinha "dado certo" antes. Eu cresci em um lar muito amoroso, mas também muito exigente. Estudei nas melhores escolas e em uma das melhores universidades do Rio. Eu cresci acreditando que eu precisava ser tudo aquilo que ninguém tinha sido até então. Eu precisava ser a melhor. Eu precisava, finalmente, dar um orgulho específico. Qual? Não faço a menor ideia. Mas recorrentemente eu era lembrada do quanto todo mundo apostou em mim, nos meus estudos, nas minhas vivências. Era uma "obrigação" minha ser alguém. Mas que alguém? "Qualquer" alguém? Acho que não porque a minha leitura foi 'ser alguém importante'. Eu precisei refletir muito sobre esse peso que eu carrego desde quando eu nasci, até porque, olhando para as minhas escolhas, eu vejo a diplomacia muito nessa bolha de importância. E será que, olhando para tudo isso, eu não tinha escolhido seguir esse caminho para agradar aos meus pais?
Depois de um tempo, vivendo em um relacionamento bastante abusivo, ainda estudando para o CACD, meus pensamentos se modificaram. Somado ao peso que já existia, o CACD virou a minha tábua de salvação: estudar -> passar no concurso -> me mudar para Brasília (ou seja, me livrar do relacionamento) -> ter minha estabilidade financeira -> chegar no ponto que deixaria meus pais mais do que satisfeitos = todo mundo feliz e realizado. Eu me agarrei a essa ideia, a ideia de, basicamente, fugir daquela realidade e ir para uma muito melhor. Uma realidade que eu teria a estabilidade financeira que eu tanto queria para poder proporcionar todas as coisas para o meu filho. O CACD se tornou isso para mim: uma forma de não ter que lidar com a realidade, mas simplesmente sair correndo daquilo ali e fingir que nada mais me atingiria. Não existia outra opção, apenas essa me daria forças para viver a vida que eu queria e que deixaria todo mundo satisfeito.
Mas aí eu saí do relacionamento abusivo e reencontrei o único grande amor da minha vida. Se antes existia um buraco dentro de mim, ele começou a ser preenchido pela esperança de uma vida incrível. Formamos uma família linda e hoje me sinto plenamente realizada como mãe. Se antes eu queria fugir da minha realidade por tanto sofrimento, me isolando e começando de novo a minha história, hoje eu não quero mais fugir porque eu tenho a força da minha família que finca os meus pés no chão. Hoje eu tenho que lidar com a realidade do meu passado. Se antes eu imaginava um universo onde eu precisaria da aprovação no CACD para me livrar de um passado que me doía tanto, hoje eu não preciso mais. Aquele plano que existia já está sendo aplicado hoje e eu não passei no concurso para ter que resolver meus problemas. Eu não fugi; eu estou encarando meu passado. E o CACD perdeu seu espaço de prioridade dentro desse contexto. Eu não preciso mais dele.
Depois que eu comecei a ter esse sentimento de que eu não estava estudando para o concurso por mim, mas por outras pessoas, meu mundo se abriu. Eu comecei a pensar em outras possibilidades e realidades. Outros caminhos. Eu não queria mais seguir o plano de forma tão rígida. Se hoje eu sou tão grata pela vida incrível que eu tenho e passar no CACD seria só a cereja do bolo, porque eu não poderia ter outras cerejas? Por que apenas essa me faria mais feliz ou mais satisfeita? Por que eu estava me limitando? Hoje eu entendo que as motivações para o concurso nunca foram minhas. Foi quando precisei desconstruir tudo que vivi até hoje e ser plenamente sincera comigo: é esse o caminho? Fiquei muito confusa. Mas uma coisa que aprendi nos últimos anos foi a confiar na minha intuição porque ela não falha. Quando eu soube, pela primeira vez na vida que queria ser diplomata, eu mal tinha entrado na faculdade. Esse sentimento não morreu dentro de mim e hoje mesmo, depois de ver algumas coisas sobre diplomacia, esse quentinho, essa certeza, floresceu mais uma vez. Então, talvez, pela primeira vez, eu estude para o concurso pelo motivo certo: porque eu quero. Porque, dentro de mim, eu sinto que seja o meu caminho. Então, hoje, eu vou dormir sabendo que amanhã a minha rotina de estudos será cumprida porque não será dessa vez que eu irei abrir mão de conquistar a próxima vaga no MRE.
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